Thursday, August 9, 2007

Transgressão avassaladora

Era uma noite avançada de lua minguante. Na varanda um banco de madeira pintado de branco-gelo. O frescor da manhã já se fazia sentir no cheiro do orvalho do gramado do jardim. Só mais algumas horas e o sol apareceria despontando no horizonte, por trás de uma baixa colina que jogava uma sombra tardia no casebre.

Carla estava imóvel, embaixo do banco, e enquanto escutava os gritos vindos de dentro do quarto, começava a ter esperança de sobreviver. Sua irmã estava estirada na cozinha, parte do omoplata perto da porta. Mas não havia sangue. O sangue fora todo sugado com voracidade pelo agressor faminto.

Agora sua fome insaciável estava sendo minimizada pelo sangue de sua mãe. Ela ainda lutava firme e não se deixava dominar, mesmo após presenciar a terrível morte de seu marido, que a protegera do primeiro ataque e se tornara a vítima.

Mas o agressor parecia ter poderes sobre-humanos, e com unhas afiadas cravou com segurança os braços de Dona Marta, que agora só podia gritar e esperar a mordida fatal.

Dentes vieram encontrar seu pescoço, pouco acima do ombro, e a força da mandíbula fez Marta gemer baixo antes de conseguir recuperar o fôlego. A pressão sanguínea baixou aos poucos, as vistas começaram a escurecer, e o grito passou a apenas um sussurro.

Carla ouvindo a tudo atenta, coração apertado de uma ansiedade pelo amanhecer, estava em pânico. Sua esperança diminuía no mesmo passo do som dos gritos que escutava. O som dos gritos cessou. Sua mãe estava morta. Agora ela sabia que ele iria começar a procurá-la.

A porta se abriu e Carla pode ver um homem alto, cabelos negros, olhos que brilhavam em um vermelho pontiagudo. Usava um sobretudo escuro, por cima de um terno fosco. Ele caminhou pausadamente em sua direção, como se cada passo fosse um exercício para tornar disponível uma força extrema caso precisasse correr atrás de sua vítima.

Carla não tinha chances de correr, e isso só adiantaria seu martírio. Esperou, tremendo, mãos abraçadas nos joelhos, o seu fim próximo.

O sol começou a apontar, e já se podia ver no jardim alguma luz. Mas a pequena colina, cuja sombra sempre fora tão alegremente reverenciada, agora permitia mais alguns momentos de terror.

Com um só golpe, o banco foi arremessado da varanda, e Carla sentiu-se mais desprotegida do que nunca.

Ele aproximou-se vagarosamente, segurou-a de modo firma, mas delicado, pelos ombros, e levantou-a do chão. Carla apenas mostrava um olhar de piedade, e esperava pela luz do sol.

O homem de mãos frias como a morte aproximou os dentes de seu pescoço, vagarosamente, e parou por um instante para sentir o cheiro do perfume que Carla exalava.

E então, num impulso, mordeu-a.

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