Em volta de seu corpo havia uma auréola esbranquiçada e densa que tornava seus movimentos lentos, seu pensamento dolorido, e sua percepção embaçada. Era como sentir um sono pesado e não conseguir dormir, e estando acordado não conseguir expressar o seu eu.
Enquanto lutava contra seus próprios instintos, buscando na imobilidade e no silêncio profundo a libertação deste encanto maligno, ouviu-se um zumbido terrível e ameaçador, próximo como a foice da Morte em seu ouvido.
Vencendo desesperadamente a inércia incalculável, saindo de um poço de piche que oferece resistência ao próprio ar que se respira, ele consegue ganhar alguns minutos de agilidade, o suficiente apenas para espalmar o vazio escuro em sua frente.
O estalo da palmada rompe o zumbido e inicia um novo silêncio profundo. As mãos caem sem força e a imobilidade lhe domina novamente. Os olhos fechados o tempo todo ainda assim lhe doem, uma dor profunda por trás do globo, que não dá trégua. Eles tremem e se movimentam, os próprios culpados. É difícil manter as pálpebras fechadas segurando os revoltos olhos que insistem em manter o cérebro aceso e cansado.
Com esforço e concentração, num exercício dedicado de escutar o silêncio, ele consegue dominar a exacerbada atividade ocular, e seu corpo volta a afundar num mar de piche pegajoso. Os pensamentos ainda não estão desconexos a ponto de se permitir um descanso mental, mas ele se permite o luxo de tentar pelo menos um descanso físico.
O mundo vai ficando mais distante, e só não está solto e entregue ao prazer do bom sonho ainda por culpa de uma leve esperança de assim o conseguir, esperança essa que é tanto o desejo de dormir quanto o impedimento que ainda o liga à realidade.
A esperança se torna desespero ao sucumbir à idéia de que outro zumbido virá, tão certo como dois e dois são quatro. E o medo lhe trás de volta, não totalmente, à realidade de um corpo deitado de olhos fechados, porém acordado.
Uma vez checada a realidade, e percebido que não se pode atuar em algo que não está acontecendo, novamente volta a se entregar na tentativa de deixar os sentidos sem resposta mundana. O que é real agora está tão longe e pequeno como a imagem circular de uma luneta que ainda busca a terra da lua. E é essa luneta, o seu caminho, o seu interior, o seu túnel, a ligação entre o homem e sua realidade. Ele pode simplesmente tirar os olhos dessa luneta e olhar em volta, e estará sonhando. Mas ele não consegue, precisa ainda estar alerta. Alerta... Alerta... E a imagem da realidade imaginada, uma casa no campo gramado, em um lindo dia de sol, diminui, diminui, diminui, e tudo o que resta em seu campo de visão é o tubo preto interno da luneta.
Pronto, está praticamente dormindo. Ele agora pode preencher a escuridão com qualquer imagem, e estará sonhando. Mas alerta, ainda vê uma pequenina janelinha redonda com vidro em forma de lente, brilhando ao longe um verde ensolarado. Será essa janelinha um sonho, um meta-sonho? Ou será que ainda está alerta?
E seu pior pesadelo acontece. Não um pesadelo onírico, que até suportaria, e seria mesmo capaz de lutar contra os monstros e medos que atormentam os pesadelos, só para continuar a dormir. Mas um pesadelo real, um zumbido em seu ouvido, lhe trás abruptamente de volta a janela da realidade.
Agora, tomado de uma fúria que lhe deu agilidade instantânea, levantou bruscamente e acendeu a luz do quarto. A auréola esbranquiçada que lhe contornava fluiu como um veneno direto para sua cabeça, que começou a doer uma enxaqueca imediata, pagamento pela sua destreza de movimentos.
Pegou um tubo de veneno e começou a caminhar, esbravejando, pelo quarto, a procura do minúsculo inseto que lhe causara tanta dor. A pena de morte foi decretada. Este inseto teria que pagar com a vida o estrago que lhe fez na sua manhã vindoura.
Durante 15 minutos ele caçou, bateu, espalmou, borrifou, até que finalmente viu o corpo estirado do pernilongo condenado. Ao final, ele estava suado, cansado, seu corpo caminhando lento para o chuveiro.
Com dificuldades e uma enorme dor-de-cabeça, voltou a se ajeitar em seu leito, e de olhos fechados começou a se concentrar no silêncio. Havia uma esperança de que conseguisse dormir de verdade. Mas caso não conseguisse, muito feliz ele ficaria se conseguisse pelo menos ficar parado, descansando o corpo.
E a esperança o lembrava do motivo pelo qual ele a cultivava, o risco de novamente ser buscado do fundo de seu sono para a realidade numa ruptura desgraçadamente rápida.
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