Tuesday, August 28, 2007

Ressaca

Ontem eu saí de casa
Fui direto pro boteco
Me serviram um vinho azedo
Que derreteu meu caneco
Nunca mais tomo esse vinho
Nem que eu passe no caminho
Ou meu nome não é Beco!

Wednesday, August 22, 2007

Insônia.

Em volta de seu corpo havia uma auréola esbranquiçada e densa que tornava seus movimentos lentos, seu pensamento dolorido, e sua percepção embaçada. Era como sentir um sono pesado e não conseguir dormir, e estando acordado não conseguir expressar o seu eu.

Enquanto lutava contra seus próprios instintos, buscando na imobilidade e no silêncio profundo a libertação deste encanto maligno, ouviu-se um zumbido terrível e ameaçador, próximo como a foice da Morte em seu ouvido.

Vencendo desesperadamente a inércia incalculável, saindo de um poço de piche que oferece resistência ao próprio ar que se respira, ele consegue ganhar alguns minutos de agilidade, o suficiente apenas para espalmar o vazio escuro em sua frente.

O estalo da palmada rompe o zumbido e inicia um novo silêncio profundo. As mãos caem sem força e a imobilidade lhe domina novamente. Os olhos fechados o tempo todo ainda assim lhe doem, uma dor profunda por trás do globo, que não dá trégua. Eles tremem e se movimentam, os próprios culpados. É difícil manter as pálpebras fechadas segurando os revoltos olhos que insistem em manter o cérebro aceso e cansado.

Com esforço e concentração, num exercício dedicado de escutar o silêncio, ele consegue dominar a exacerbada atividade ocular, e seu corpo volta a afundar num mar de piche pegajoso. Os pensamentos ainda não estão desconexos a ponto de se permitir um descanso mental, mas ele se permite o luxo de tentar pelo menos um descanso físico.

O mundo vai ficando mais distante, e só não está solto e entregue ao prazer do bom sonho ainda por culpa de uma leve esperança de assim o conseguir, esperança essa que é tanto o desejo de dormir quanto o impedimento que ainda o liga à realidade.

A esperança se torna desespero ao sucumbir à idéia de que outro zumbido virá, tão certo como dois e dois são quatro. E o medo lhe trás de volta, não totalmente, à realidade de um corpo deitado de olhos fechados, porém acordado.

Uma vez checada a realidade, e percebido que não se pode atuar em algo que não está acontecendo, novamente volta a se entregar na tentativa de deixar os sentidos sem resposta mundana. O que é real agora está tão longe e pequeno como a imagem circular de uma luneta que ainda busca a terra da lua. E é essa luneta, o seu caminho, o seu interior, o seu túnel, a ligação entre o homem e sua realidade. Ele pode simplesmente tirar os olhos dessa luneta e olhar em volta, e estará sonhando. Mas ele não consegue, precisa ainda estar alerta. Alerta... Alerta... E a imagem da realidade imaginada, uma casa no campo gramado, em um lindo dia de sol, diminui, diminui, diminui, e tudo o que resta em seu campo de visão é o tubo preto interno da luneta.

Pronto, está praticamente dormindo. Ele agora pode preencher a escuridão com qualquer imagem, e estará sonhando. Mas alerta, ainda vê uma pequenina janelinha redonda com vidro em forma de lente, brilhando ao longe um verde ensolarado. Será essa janelinha um sonho, um meta-sonho? Ou será que ainda está alerta?

E seu pior pesadelo acontece. Não um pesadelo onírico, que até suportaria, e seria mesmo capaz de lutar contra os monstros e medos que atormentam os pesadelos, só para continuar a dormir. Mas um pesadelo real, um zumbido em seu ouvido, lhe trás abruptamente de volta a janela da realidade.

Agora, tomado de uma fúria que lhe deu agilidade instantânea, levantou bruscamente e acendeu a luz do quarto. A auréola esbranquiçada que lhe contornava fluiu como um veneno direto para sua cabeça, que começou a doer uma enxaqueca imediata, pagamento pela sua destreza de movimentos.

Pegou um tubo de veneno e começou a caminhar, esbravejando, pelo quarto, a procura do minúsculo inseto que lhe causara tanta dor. A pena de morte foi decretada. Este inseto teria que pagar com a vida o estrago que lhe fez na sua manhã vindoura.

Durante 15 minutos ele caçou, bateu, espalmou, borrifou, até que finalmente viu o corpo estirado do pernilongo condenado. Ao final, ele estava suado, cansado, seu corpo caminhando lento para o chuveiro.

Com dificuldades e uma enorme dor-de-cabeça, voltou a se ajeitar em seu leito, e de olhos fechados começou a se concentrar no silêncio. Havia uma esperança de que conseguisse dormir de verdade. Mas caso não conseguisse, muito feliz ele ficaria se conseguisse pelo menos ficar parado, descansando o corpo.

E a esperança o lembrava do motivo pelo qual ele a cultivava, o risco de novamente ser buscado do fundo de seu sono para a realidade numa ruptura desgraçadamente rápida.

Thursday, August 9, 2007

Transgressão avassaladora

Era uma noite avançada de lua minguante. Na varanda um banco de madeira pintado de branco-gelo. O frescor da manhã já se fazia sentir no cheiro do orvalho do gramado do jardim. Só mais algumas horas e o sol apareceria despontando no horizonte, por trás de uma baixa colina que jogava uma sombra tardia no casebre.

Carla estava imóvel, embaixo do banco, e enquanto escutava os gritos vindos de dentro do quarto, começava a ter esperança de sobreviver. Sua irmã estava estirada na cozinha, parte do omoplata perto da porta. Mas não havia sangue. O sangue fora todo sugado com voracidade pelo agressor faminto.

Agora sua fome insaciável estava sendo minimizada pelo sangue de sua mãe. Ela ainda lutava firme e não se deixava dominar, mesmo após presenciar a terrível morte de seu marido, que a protegera do primeiro ataque e se tornara a vítima.

Mas o agressor parecia ter poderes sobre-humanos, e com unhas afiadas cravou com segurança os braços de Dona Marta, que agora só podia gritar e esperar a mordida fatal.

Dentes vieram encontrar seu pescoço, pouco acima do ombro, e a força da mandíbula fez Marta gemer baixo antes de conseguir recuperar o fôlego. A pressão sanguínea baixou aos poucos, as vistas começaram a escurecer, e o grito passou a apenas um sussurro.

Carla ouvindo a tudo atenta, coração apertado de uma ansiedade pelo amanhecer, estava em pânico. Sua esperança diminuía no mesmo passo do som dos gritos que escutava. O som dos gritos cessou. Sua mãe estava morta. Agora ela sabia que ele iria começar a procurá-la.

A porta se abriu e Carla pode ver um homem alto, cabelos negros, olhos que brilhavam em um vermelho pontiagudo. Usava um sobretudo escuro, por cima de um terno fosco. Ele caminhou pausadamente em sua direção, como se cada passo fosse um exercício para tornar disponível uma força extrema caso precisasse correr atrás de sua vítima.

Carla não tinha chances de correr, e isso só adiantaria seu martírio. Esperou, tremendo, mãos abraçadas nos joelhos, o seu fim próximo.

O sol começou a apontar, e já se podia ver no jardim alguma luz. Mas a pequena colina, cuja sombra sempre fora tão alegremente reverenciada, agora permitia mais alguns momentos de terror.

Com um só golpe, o banco foi arremessado da varanda, e Carla sentiu-se mais desprotegida do que nunca.

Ele aproximou-se vagarosamente, segurou-a de modo firma, mas delicado, pelos ombros, e levantou-a do chão. Carla apenas mostrava um olhar de piedade, e esperava pela luz do sol.

O homem de mãos frias como a morte aproximou os dentes de seu pescoço, vagarosamente, e parou por um instante para sentir o cheiro do perfume que Carla exalava.

E então, num impulso, mordeu-a.

Wednesday, August 8, 2007

Ócio do dever

Há um certo ciclo que se realimenta, entre o não-fazer e o ponderar do que fazer, entre observar o prazo esgotar e o esgotar do prazo.

O efeito surge em mentes que buscam o Carpe Diem, e é mais devastador quanto maior for a importância da tarefa e menor o prazo.

No limite desta loucura se distinguem três indivíduos: o fracassado, que chora a mágoa do tempo perdido, e se ainda tem esperança, promessas faz de mudar de atitude, que nunca são cumpridas; e o vencedor, que recebe como recompensa o elogio magro de um dever minimamente cumprido, além do alívio delicioso do peso da tarefa que se desfez; e há o gênio, que não percebe a pressão do prazo, se o perde, não se interessa pelas conseqüências, e se realiza o dever, tem o êxito de uma empreitada brilhante.

Arrisque-se.

Autores que preciso (ou estou a) ler


  • Freud& Breuer, Studies of Hysteria

  • Allan Poe

  • Mark Twain

  • Isac Asimov

  • Philip K. Dick

  • Albert Camus

  • Amós Oz - E a história começa: dez brilhantes inícios de clássicos da literatura universal

  • Otto Maria Carpeaux - História da literatura ocidental

  • Karl Marx - O capital
  • Charles Darwin - A origem das espécies
  • Thomas Paine - Os direitos do homem
  • Maquiavel - O príncipe
  • Platão - A república
  • Graham Greene - Fim de caso
  • Markus Zusak - A menina que roubava livros
  • Khaled Hosseini - O caçador de pipas
  • Robert Kurz - Schwarzbuch Kapitalismus
  • Machado de Assis - Dom Casmurro
  • Nelson Rodrigues - Vestido de noiva / O casamento / A vida como ela é
  • Franz Kafka - A metamorfose / O castelo / O veredito / Carta ao pai / Na colônia penal
  • Robert Musil - O homem sem qualidades
  • Thomas Mann - Doutor Fausto
  • Alfred Döblin - Berlin Alexanderplatz
  • Marco Aurélio - Meditações
  • Kierkegaard - Temor e tremor
  • Spinoza
  • Friedrich Hebbel - Diários
  • Nietzsche
  • Pascal
  • Heinrich von Kleist - Michael Kohlhaas
  • Franz Grillparzer - O pobre músico
  • Dostoievski
  • Flaubert - Madame Bouvary
  • Goethe
  • Alfred Brehn - A vida animal de Brehn
  • Charles Dickens - David Copperfield
  • Elias Canetti
  • Gabriel Garcia Marquez - Memória de minhas putas tristes
  • Theodor W. Adorno - Teoria Estética
  • Balzac
  • Adonias
  • Conrad
  • Jorge de Lima
  • Miguel de Cervantes - Dom Quijote de la Mancha
  • José de Alencar
  • Camões
  • Dumas
  • Dante
  • Shakespeare
  • Wassermann
  • Melville
  • Graciliano
  • Borges
  • Tchekhov
  • Sófocles
  • Schnitzler
  • Carpentier
  • Calvino
  • Guimarães Rosa
  • Eça de Queiros
  • Perec
  • Roa Bastos
  • Onetti
  • Boccaccio
  • Jorge Amado
  • Benedetti
  • Pessoa
  • Bioy Casares
  • Asturias
  • Callado
  • Rulfo
  • Lorca
  • Homero
  • Lima Barreto
  • Cortázar
  • Voltaire
  • Emily Brontë
  • Sade
  • Arregui
  • Verissimo
  • Bowles
  • Faulkner
  • Maupassant - Le horla el autres contes fantastiques
  • Tolstói
  • Proust
  • Austran Dourado
  • Hugo
  • Zweig
  • Saer
  • Kadaré
  • Márai
  • Henry James
  • Castro Alves
  • Elin McCoy - O imperador do vinho
  • George Orwell - Confissões de um resenhista
  • J. M. Coetzee - Desonra
  • Pearl Buck - A boa terra